Como os filmes de terror têm se reinventado e ressurgido como gênero (parte I)

Como os filmes de terror têm se reinventado e ressurgido como gênero (parte I)

Há um tempo atrás assisti Get Out! (Corra!, 2017) e fiquei fascinada pela estética e abordagem do filme que as pessoas não sabiam bem nomear o que era – é terror? é suspense? – e de certa forma enxerguei semelhanças com outro filme esquisitão mas envolvente que, apesar de ser de 2014, eu só tinha visto há muito pouco: It Follows (ou Corrente do Mal, 2014, que inclusive chegou ao catálogo do Netflix agora em agosto). Em seguida lembrei de  O Babadook (2014) e Goodnight, Mommy (Boa Noite, Mamãe, 2014), outros dois filmes dos anos 2010’s que carregam muitas semelhanças entre si e pensei que estamos presenciando uma nova safra de filmes cujo gênero principal não é bem claro pra ninguém.

Continuo sem saber responder se filmes como Get Out e It Follows são terror, suspense, ou algo entre os dois gêneros e mais uma porrada de coisas – como cinéfila e/ou fã de filmes de terror, me interessou descobrir:

1- se há um novo sub-gênero surgindo

2- como identificá-lo por meio de dados

3- comprovar se essa minha percepção é ou não verdadeira

O gênero horror transita entre tantas outras categorias que eu resolvi analisar, partindo de Get Out, It Follows, Babadook e Goodnight, Mommy, se havia uma correlação entre os gêneros e se isso poderia indicar um novo mundo de possibilidades de filmes-meio-de-terror-meio-estranhos.

Com um único intuito: que eu pudesse me deliciar nos sábados a noite.

Para iniciar essa jornada eu abri, então, as informações dos 4 filmes no IMDB, a plataforma que eu considero a principal quando estou a procura da ficha de um filme, para ver como são classificados:

 

A primeira informação relevante que destaquei foi: os agrupamentos Horror, Mystery e Drama, Horror são as combinações que prevaleceram e foram através delas que eu desenvolvi todo o estudo a seguir.

Usei técnicas de webscraping para extrair os 100 títulos mais populares categorizados como Horror, Mystery no IMDB como ponto de partida.

A segunda informação a ser destacada foi: as avaliações do Metacritic ( um site que agrupa “as opiniões dos críticos mais respeitados que escrevem na web”) para esses filmes são altíssimas.

E esse é um indicador que pode ser lido como improvável quando falamos de filme de terror porque, bem, pense: quantas vezes você viu um filme de terror concorrendo ao Oscar? concordando ou não com as premiações de Hollywood, elas refletem, de certa forma, o prestígio que determinado diretor/produtor/ator tem na indústria. E não é diferente com os gêneros dessas produções. Filmes de terror costumam ser sumariamente ignorados nas celebrações do “bom cinema” porque ficaram com a fama de gênero B.

Mas sempre foi assim? Não exatamente.

Embora eu não renegue um bom trash movie, o intuito aqui é outro. Refinei os dados e retirei da lista os 38 títulos que não possuíam metascoreo metascore tem uma métrica exclusiva definida pelo Metacritic e que pode ser vista aqui – e, depois disso, considerando o alto número dos 4 filmes-base, decidi fazer uma nota de corte de 70 para cima, me deixando com uma lista final de 17 filmes.

Gênero x Avaliação: o gráfico mostra o gap entre as décadas em relação a boa avaliação da crítica – antes dos anos 2000 temos apenas 4 filmes com avaliações relevantes. Para facilitar a visualização, deixei maiores os círculos que simbolizam as maiores pontuação. São eles Psicose (1960), Caçador de Assassinos (1986), Pi (1998) e A Bruxa de Blair (1999) – é válido notar, pela cor dos círculos desses 4 títulos, que a mesma combinação de cores (ou seja, os gêneros) passam a diminuir ou desaparecer conforme as décadas avançam, reflexo da constante mudança do gênero através do tempo; algo que será abordado a seguir.

 

O gênero de mil faces

Se os filmes de horror nasceram praticamente junto o próprio cinema, com Georges Méliès e seus truques nos 1890’s, não é de se estranhar que as próximas 5 décadas a seguir, o gênero contou com o empenho e dedicação de grandes cineastas quase como outro gênero qualquer – sendo particularmente importante nos 20’s e 30’s, quando filmes como O Gabinete do Dr. Caligari (1920), Nosferatu e M – O Vampiro de Düsseldorf de Robert Wiene, F. W. Murnau e Fritz Lang respectivamente criaram as bases de uma das mais respeitadas escolas do cinema, o expressionismo alemão.

E se não houve reconhecimento do gênero de forma tão ampla quanto outros, ainda assim continuou recebendo a contribuição por décadas e décadas a seguir – filmes como Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, até hoje figuram entre os filmes melhor avaliados da história do cinema. Hitchcock, inclusive, foi um dos principais responsáveis pela maturação de um sub-gênero que se perpetuaria até hoje: o slasher movie, aquele em que um psicopata/stalker/maluco (ou tudo isso junto) persegue tudo e todos com o objetivo de encerrar o filme por falta de personagens vivos.

Os tais filmes-de-psicopata se popularizaram nos anos 60 (com A Tortura do Medo (1960) – que, por sua vez, bebe na fonte de Janela Indiscreta (1954) –ao lado de Psicose como dois grandes exponentes) como, de forma geral, o próprio gênero do terror se popularizou como um todo.

Os slashers seguiram sendo “levemente” modificados nos 70’s e 80’s com franquias como Halloween (1978) de John Carpenter,  A Hora do Pesadelo (1984) de Wes Craven e Sexta-Feira 13 (1980) de Sean S. Cunningham, além de tantas outras que devem ter atormentado seus sonhos tranquilos de criança, como atormentaram os meus com um ingrediente que, apesar de atrair curiosidade, afastou do “bom cinema” que foi: a violência explícita.

E se até mesmo quem detesta passar pela experiência de assistir a filmes de terror sabe bem do que essas franquias citadas são, esse reconhecimento de público é inversamente proporcional à crítica. Isso porque entre os anos 70 e 80 o gênero realmente experimenta uma debandada de bons diretores/roteiristas, entendendo que o caráter autoral, se podemos dizer assim, ficaria abaixo do entretenimento. É nesse período que começamos a receber às telas os filmes mais perturbadores, seja em seu conteúdo, seja em sua forma.

Dois exemplos disso são Aniversário Macabro/ The Last House on the Left (1972),  – dirigido por Wes Craven (que posteriormente se tornou um diretor famoso e que continuou apostando no gênero -, e A Morte do Demônio/Evil Dead (1981), – dirigido por Sam Raimi, outro diretor que continuou em certa evidência nas décadas seguintes -,  ambos foram citados como filmes explícitos e perturbadores, porém só ganharam relevância e/ou reconhecimento muitas décadas depois, sendo cultuado muito mais por suas importâncias aos seus sub-gêneros do que pela qualidade técnica em si. Evil Dead se tornou um precursores não apenas de um sub-gênero, mas do uso de efeitos especiais (embora hoje seja difícil assistir sem rir). Não à toa, ambos os títulos foram refilmados recentemente.

Nessas décadas citadas há uma diminuição latente de filmes de terror considerados bons pela crítica. Para observar esse dado, recorri a outra database importante de filmes na internet, tão reconhecida quanto o IMDB: o Rotten Tomatoes.

Usando as mesmas técnicas de webscraping, extraí informações sobre o que a plataforma entende como os melhores 100 filmes de terror de acordo com as notas dos críticos e coloquei essas informações num gráfico para que possamos observar algumas curiosidades:

O gráfico mostra, por meio de um modelo de regressão, a queda na qualidade dos reviews de filmes de terror ao longo das décadas, de acordo o Rotten Tomatoes. Entre os anos 60 e 80 há uma queda considerável, então uma estabilidade e uma nova queda nas décadas seguintes, que analisaremos mais pra frente. Pode-se notar, no entanto, que nos últimos anos existe uma elevação não apenas de filmes produzidos como também de nota dos críticos, indicando uma possível reanimação do gênero.

 

Refinei esse gráfico para observar os títulos que foram lançados a partir da curva de arranque desse gráfico: a partir dos anos 2000. O resultado é o seguinte:

Esse gráfico ilustra outros títulos com características semelhantes aos que eu procurava- nada que uma olhada com calma nas tabelas dos sites não faça. No entanto, me ajudou a escolher de forma ilustrativa quais seriam os próximos torrents a serem baixados – por exemplo, não conhecia o Under the Shadow (2016), que no gráfico está com uma das melhores pontuações. Procurando na internet, descobri que é um filme co-produzido por Inglaterra, Jordânia, Qatar e Irã (!!!) e é praticamente um consenso entre os sites já citados nesse estudo.

Porém, como minha intenção era não só descobrir novos filmes pra assistir, mas também entender quais são os componentes que tornam filmes com esses tão elogiados pela crítica, voltei aos títulos do começo desse estudo e busquei, com as mesmas técnicas de raspagem de dados, agrupar uma série de críticas de veículos renomados na intenção de fazer uma análise textual e descobrir padrões nessas críticas – ou seja, entender, por meio dos dados, quais são as características pelas quais filmes como Get Out estão subitamente fazendo tanto sucesso.

Essa análise, no entanto, ficará pra parte II do post. 😀

 

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